sexta-feira, 3 de abril de 2009

Cabo Verde

CABO VERDE


Todos sabemos que há um conjunto de factores de ordem geo-política,
econômica e social que levou a que Cabo Verde, desde muito cedo, ficasse
praticamente entregue a si próprio em termos de homogenização racial
e cultural. O impacto do colonialismo não é tão drástico, impulsivo e dramático
como nas outras regiões. Embora reconhecendo o risco de tal afirmação, diria
que Portugal, como potência colonizadora, e com todas as expectativas do
regime, acabou por criar algumas condições necessárias para o aparecimento
da literatura caboverdiana. Desde muito cedo que a terra, bem como os
centros de controle e administração, passam para as mãos de. O grupo uma
burguesia nascida em Cabo Verde, formada maioritariamente por mestiços.

Entre 1920 e 1930 já existe uma elite muito consciente dos problemas que
afectam as ilhas. Esta gente está sobretudo concentrada em S.
Nicolau, S. Antão e S. Vicente, e muitos são comerciantes, professores estudantes e
jornalistas que estão em contacto com as correntes e movimentos literários de
Portugal, como o modernismo e o neorealismo. Mas é sobretudo o modernismo
brasileiro que influencia esta geração que se familiariza com Jorge Amado,
Graciliano Ramos, José Lins do Rego, e poetas como Jorge Lima, Ribeiro Couto ,
Manuel Bandeira, e os sociólogos como Gilberto Freyre. A partir, sobretudo,
dessa altura os escritores de Cabo Verde começam a tomar uma consciência
cada vez mais nítida da realidade das ilhas, a romper com os modelos de tipo
europeu. A atenção é focada cada vez mais na terra, no ambiente sócio-
económico e no povo das ilhas.

O grande passo para a viragem total de temática da literatura produzida em
Cabo Verde é dado , em 1936, por um grupo de intelectuais que lança a revista
Claridade. O grupo, que para a história literária passou a ser conhecido por
claridosos, integra, para além de outros, Baltazar Lopes, Manuel Lopes e Jorge
Barbosa.

As linhas mestras dos movimentos dos claridosos estão praticamente
condensadas na obra daquele que também é o seu maior responsável- Jorge
Barbosa.A preocupação fundamental da sua poesia é revelar as situações com
que diariamente se defronta o cabo-verdiano: a fome, a miséria, a falta de
esperança no dia de amanhã, as secas e os seus efeitos devastadores. Os
grandes tópicos são o lugar, o ambiente sócio-económico e o povo; e todos
em relação constante com o mar.O mar é o elemento provocador do
aparecimento de outras duas realidades soberbamente tratadas na poética
barbosiana : a viagem e o sonho de encontrar uma terra prometida.

A ilha, o mar, a viagem e o sonho são os signos de maior densidade na poesia
de Jorge Barbosa. Toda essa temática se distribui pelas suas três obras:
Arquipélago (1935), Ambiente (1941) e Caderno de um Ilhéu (1956).Mas,
quanto a mim, é em Ambiente que Jorge Barbosa se define como poeta
inovador, que dá à sua poesia uma tonalidade dramática nova, trazida "pela
intimidade, a denúncia, a epopéia do homem isleno vivendo no drama de <>"6.
Não resisto à tentação de citar aqui um poema que, quanto a mim, é revelador
da dualidade em que Jorge Barbosa coloca os referentes de quase todos os
seus poemas. Há sempre um "eu" em constante tensão com um ambiente
exterior. Repare-se no poema Prisão

Pobre do que ficou na cadeiade
olhar resignado,
a ver das grades quem passa na rua!
pobre de mim que fiquei detido também
na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...
...as grades também da minha prisão!7

Este poema é paradigmático quando se procura organizar uma amostragem
comparativa da poesia de Cabo Verde.É que toda poesia dos claridosos, se por
um lado rompeu com os diques das normas temáticas do colonialismo, não se
terá libertado completamente de um certo miserabilismo herdado do neo-
realismo português. Esta poesia é toda ela virada para o homem caboverdiano
e o mundo que o rodeia; no entanto não aponta grandes soluções. É pois, uma
poesia de descrição, profundamente lírica, intimista , mais ainda falha de
coragem para apontar outra solução ao homem caboverdiano que não seja a
evasão do mundo que lhe pertence. É por isso que os calaridosos, e Jorge
Barbosa, evidentemente, são freqüentemente criticados pelo carácter
"evasionista" e "escapista da sua poesia.

A geração da Claridade lançou os alicerces da nova poesia que depois é
continuada pelos escritores pelos escritores que colaboram em outras duas
publicações, a Certeza (1944) e o Suplemento Cultural (1958). Nas duas
revistas colaboraram poetas como António Nunes, Aguinaldo Fonseca , Gabriel
Mariano, Onésimo Silveira (um dos primeiros a utilizar o crioulo de parceria com
o português, no seu livro Hora Grande, 1962) e Ovídio Martins, que combate
abertamente o evasionismo dos claridosos. Apesar de tudo a geração da
Claridade influenciou, e continua a influenciar, grande parte da produção
poética e ficcionista de Cabo Verde.

O salto qualitativo e a ruptura com a influência dos claridosos devem-se a dois
escritores que chegaram a participar na revista Claridade. Estou a referir-me a
João Varela (aliás João Vário, aliás Timótio Tio Tiofe) que publicou em 1975, O
primeiro livro de Notcha, e Corsino Fortes, autor de dois importantes trabalhos
poéticos, Pão & Fonema (1975) e Árvore & Tambor (1985). É sobretudo
Corsino Fortes que provoca o maior desvio de conteúdo temático e formal. O
livro Pão & Fonema deixa perceber a intenção do autor em reescrever a
história do povo em termos de epopéia. O livro abre com uma Proposição que
constitui, por si só, uma demarcação da poesia de tipo estático dos claridosos.
Repare-se na primeira estrofe:

Ano a ano
_____ crânio a crânio
Rostos contornam
_____ o olho da ilha
com poços de pedra
_____ abertos
_____ no olho da cabra 8

Esta cadência ritmada do esforço humano marca o compasso da epopéia que
se pretende escrever, intenção que o autor condensa na epígrafe da autoria
de Pablo Neruda:Aqui nadie se queda inmóvel./Mi pueblo es movimiento ./mi
pátria es um camino9. O poema desenrola-se depois em dois cantos que
justificam o título.

Este livro de Corsino Fortes é, quanto a mim, o desenvolvimento e expansão de
uma metáfora que se inicia com o título. O povo tomou conta da sua terra (o
Pão) e do seu destino (a fala que dá nome às coisas, que indica posse). A
utilização do crioulo em muitos poemas é intencional, uma vez que fala,
anterior à escrita,é o grande sinal da liberdade que se tornou patrimônio, tal
como a terra. Daqui o subtítulo do canto primeiro- Tchon de Pove Tchon de
Pedra; Daqui também os subtítulos de outros dois cantos- Mar & Matrimónio e
Pão & Matrimónio.

É evidente que toda problemática de raiz caboverdiana está presente na obra
de Corsino Fortes. Ao contrário dos claridosos, a nova poesia é uma expressão
artística cuja formulação sugere, reflecte e intervém na dinâmica do real. A
grande diferença no entanto, reside no facto de que este autor, para além de
criar uma nova dinâmica de ralações entre o sujeito e o objecto poético,
colocar toda a problemática caboverdiana num contexto muito mais vasto que
é o da África. Cabo Verde, com sua especificidade, que é o isolamento de
arquipélago, participa na viagem de construção da África de rosto e corpo
renovado:

Dos seios da ilha ao corpo da África
O mar é ventre E umbigo maduro
E o arquipélago cresce 10

Um comentário:

farleeulibarri disse...

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