segunda-feira, 6 de abril de 2009

Angola


Como acontece com os outros países, a literatura de Angola também não nasce por método espontâneo. Vários são os antecedentes e os precursores que influenciam sobremaneira o carácter social, cultural e estético da literatura e da poesia, em particular. E não podemos nunca descurar, como factor de grande influência, a tradição da oralidade em África, quanto a mim, um dos antecedentes de maior responsabilidade. O peso da oralidade exerce-se em muita da obra poética africana, conferindo-lhe uma grande carga de "espiritualismo telúrico".15 Podemos considerar a história da poesia de Angola em duas fases, sendo a primeira a da escrita colonial, e a Segunda a da poesia moderna e nacional, que se inicia com a publicação da revista Mensagem , em 1951.

Mensagem marca, assim, o início da poesia moderna de Angola. Nesta revista participa uma pleiade de escritores que serão os responsáveis pela construção da literatura do novo país, nascido em 1975. No primeiro número de Mensagem colaboram, entre outros, Mário António, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Alda Lara, António Jacinto e Mário Pinto de Andrade. A publicação da revista , no dizer de Ana Mafalda Leite, "foi o resultado concreto da ambição desta nova geração de intelectuais de Angola de amplificar o movimento cultural iniciado nos anos 40 por Viriato da Cruz."

A produção poética angolana abrange três grandes períodos: de 1950 a 1970; o período de inovações - a década de 70; e a geração de 80. Vejamos, em resumo, em resumo, o que se passa em tais espaços de tempo.

As duas décadas de 1950 a 1970, marcam a fase da viragem para a conciencialização da problemática angolana, sobretudo em três grandes vertentes - a terra, a gente, e as suas origens. A temática dos escriotres da Mensagem gira à volta de tópicos que vão caracterizar a poética que existe até aos nossos dias: a valorização do homem negro africano e da sua cultura a sua capacidade de auto-determinação, a nação africana que se antevê como estado com autoridade e existência próprias. Muita da poesia é uma poesia de protesto anti-colonial, sem deixar de ser humanista e social. Agostinho Neto, Viriato Cruz e Mário António concentram muito da sua produção nesta temática.

O protesto anti-colonial toma uma feição muito mais directa e acutilante com a publicação da revista Certeza, em 1957. Esta revista, que se publica até 1961, revelou a existência de novos poetas, entre eles António Cardoso e Costa Andrade. Para além da contestação contra o colonialismo, desenvolve-se progressivamente uma temática que tem a ver com a evocação e a invocação da "mãe-pátria", da "terra grande" de África. Quase todos estes poetas tratm os temas da identidade , da fraternidade, da terra de Angola pátria de todos, negros, brancos e mestiços; de grande importância é também o tópico da alienação ( sobretudo a que respeita ao estado de espírito do branco nascido e criado em Angola). Muita da poesia é também de carácter intimista, como é o caso da de Mário António.

Toda esta geração, utilizando recursos líricos e dramáticos, consegue criar uma poesia de fundo e cariz emocional. Através da poesia, descobre-se Angola, as suas origens , as suas tradições e mitos. A poesia adquire uma intencionalidade pedagógica e didáctica: com ela tenta-se recriar África e Angola, os valores ancestrais do homem africano e da sua terra, bem como ensinar esse mesmo homem a descobrir-se como individualidade. Esta poesia põe em prática a reposição da tradição oral, onde as próprias línguas nacionais ocupam um espaço importante. É, numa palavra, a poesia da "angolanidade".

O autor que representa melhor toda esta problemática é, sem dúvida, Agostinho Neto. A sua obra principal, Sagrada Esperança, é uma amostra valiosa não só da poesia de combate e contestação (sem ser panfletária, no entanto) mas também da poesia lírica e intimista, frequentemente modulada por uma religiosidade profunda. Agostinho Neto revela um grande humanismo, em que são evidentes o amor profundo pela vida e o conhecimento do sofrer humano, que amiúde obriga o poeta a utilização de um realismo feroz nos seus versos. Leia-se , como exemplos poemas "Velho Negro"17 e "Civilização Ocidental"18. Se dizemos que há poemas intimistas, tal não significa que o poeta se isole de habitat social e perde a referência fundamental da sua poesia. É constante a relação estabelecida por Neto entre o "eu" poético e o "outro"; um "eu" que é povoado pela humanidade e colocado no contexto da vida do seu povo. Veja-se ,por exemplo, o poema "Confiança"19 e o poema intitulado "Não me peças sorrisos"20, que, a meu ver, é um dos melhores poemas de Agostinho Neto. Como o próprio título sugere, é evidente que a esperança é o tópico raiz e motor desta poesia. A esperança é o núcleo à volta do qual se constroem unidades poéticas de ralação dialéctica, como sejam a dor e o optismo, o sonho do poeta e o despertar do povo, a escravidão e a fé de transcender a opressão. Não podemos falar de sentimentalismo nesta poesia, mas sim de realismo poético. Eu chamaria atenção para o bom exemplo que é o poema "O choro de África"21. Neste poema o poeta fala do "sintoma de África", que é uma combinatória dialéctica do sofrimento e da alegria que temperam, durante séculos, o homem africano, cujo destino é "criar amor com os olhos secos"22. Como resultado desta temática, o estilo de Agostinho Neto revela grande contenção de forma, onde não há lugar para floreados poéticos e apelos fáceis à emoção, pese embora o seu cunho profundamente religioso.

Na década de 70 surgem três nomes que vão ser os principais responsáveis por uma mudança profunda na estética e na temática: David Mestre, Ruy Duarte de Carvalho e Arlindo Barbeitos. Por um lado, procura-se maior rigor literário; por outro, e como consequência do anterior, evita-se propositadamente o panfletarismo.. Entra-se também numa fase de maior experimentalismo . Estes autores tentam também reconciliar os temas políticos do passado com a procura de uma linguagem poética mais universal.Por exemplo, Ruy Duarte de Carvalho é autor de uma poesia que, ao lado de uma grande ambiência de oralidade e de um apontar para as consequências da guerra constitui também uma reflexão sobre o próprio discurso poético. É, no entanto, Arlindo Barbeitos a voz poética que melhor assume a viragem e a ruptura com a tradição da Mensagem.

Arlindo Barbeitos tem ,até o momento, dois livros publicados: Angola Angolê Angolema (1976) e Nzoji (1979). Numa nota de introdução a Angola Angolê Angolema, Barbeitos traça as linhas mestras de sua poética.
Assim, a sua poesia tenta ser uma reconciliação do homem com a sua condição; é um testemunho e um instrumento de libertação. A poesia tem como função primordial sugerir; ela é um compromisso entre a palavra e o silêncio. A outra função é a de relatar as formas culturais africanas e a vivência do autor. Arlindo Barbeitos afirma, a propósito, que "só é poesia se sugere, só tem expressão, só tem força, só é arte em forma de palavra, se simultaneamente retém e transcende a palavra"23. Sobre as características da sua poesia, devemos dizer que ela é religiosa na medida em que nela se relata a experiência do ser humano que procura sempre a perfeição; por outro lado, há sempre o desejo de retorno à imanência, e a vontade de construir a irmandade universal. É, também, uma poesia que reflecte a dor, a guerra , a situação colonial. Em relação à língua, Arlindo Barbeitos tenta, e consegue, africanizar a língua colonial, numa tentativa continuada de repossuir todos os valores e tradições culturais do país.
A partir dos anos 80, surge uma nova geração de escritores cujo ecletismo é a característica mais marcante. Digna de nota é uma pequena antologia publicada em 1988, e intitulada no Caminho Doloroso das Coisas. Na introdução, o organizador da antologia deixa perceber o rumo de uma certa descontinuidade que a nova poesia angolana vai tomando: "São jovens, mas dentre eles há poetas que são artistas nos seus versos como carpinteiros nas tábuas. Tiveram que por (sic) verso sobre verso como quem constrói um muro. Analisaram se estava bem e tiraram sempre que não estivesse, sentados na esteira do Pessoa, [...] Jovens subscritores de uma auto-explicação metalinguística em que a ruptura formal não é tudo."

São Tomé e Príncipe

Em termos quantitativos, a produção poética de São Tomé e Príncipe corresponde as suas dimensões físicas, se compararmos com o que se passa nos outros países. A literatura deste pequeno país de duas ilhas no noroeste da costa africana é ainda pouco representativa no contexto das literaturas africanas de expressão portuguesa. No entanto, e qualquer que seja o futuro da sua produção poética, São Tomé e Príncipe tem assegurada a presença na panorâmica histórica da literatura africana. Com efeito, Francisco José Tenreiro, nascido em São Tomé, em 1921, é um dos marcos da poesia africana de expressão portuguesa.

Sobre outros poetas, valerá a pena mencionar um dos precursores da negritude lusófona, Francisco da Costa Alegre, nascido em 1864. A sua única obra, Versos, foi editada postumamente,em 1916.Costa Alegre é um dos primeiros poetas africanos que se exprime em língua portuguesa e que tem a consciência da sua cor11.Ele não articula uma resposta à injustiça social que deixa transparecer em alguns dos seus versos, pelo que a sua poesia se parece mais com um queixume sobre a sua situação de africano de cor:a minha cor é negra,/Indica luto e pena;/(...)Todo eu sou um defeito,/Sucumbo sem esperanças,/.Estes e outros lamentos são a tónica de sua poesia, que, no entanto, significa um despertar para a cor, um dos passos importantes para uma tomada de consciência nacional que a poesia africana toma em determinada altura, mas que se segue ao que Manuel Ferreira e outros críticos identificam como a "alienação racial".

Devemos referir também a poetisa Alda do Espírito Santo que figura em todas as antologias de poesia africana. A sua poesia, que tem também a diferença racial e a exploração colonial como pano de fundo, caracteriza-se por uma grande dose de combatividade e panfletarismo. No entanto, no seu único livro publicado até à data, É Nosso o Solo Sagrado da Terra: Poesia de protesto e luta, encontramos também os poemas de grande profundidade lírica, que descrevem com traços de verdadeira sensibilidade artística, a vida dos habitantes de São Tomé. Outros poetas , como Tomaz Medeiros, Maria Manuela Margarido, Marcelo da Veiga e Carlos do Espírito Santo , mantêm uma linha de continuidade em que a temática de fundo é a luta contra o colonialismo, a exploração dos negros nas plantações, a consciência da diferença que a cor provoca , e a alienação.

Como já me referi, o expoente da poesia sãotomense , e da poesia africana, é Francisco José Tenreiro. Duas razões fundamentais para esta facto . A primeira é uma razão que se reveste de carácter histórico de muita importância. Francisco José Tenreiro foi, de parceria com outro importante nome da lteratura de Angola( Mário Pinto de Andrade), o autor do célebre Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa, lançado em Lisboa, em 1953. A publicação, com uma introdução de Mário Pinto de Andrade, é uma pequena antologia de poetas de Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe e ainda um poema de Nicolás Guillén,a quem o caderno é dedicado. Tem como objectivo fundamental uma reflexão sobre o que devia entender por negritude na África sob dominação portuguesa. O último período da introdução é bem explícito com relação ao propósito da publicação do caderno, que se destina "fundamentalmente aos que sabem encontrar-se reflectidosnesta poesia, e aos que, compreendendo a hora presente de formação de um novo humanismo à escala universal, entendem que os negros exercitam também os seus timbres particulares para cantar a grande sinfonia humana."

A segunda razão por que Francisco José Tenreiro é um marco de máxima importância na literatura africana vem resumida na introdução atrás citada. As palavras do poeta angolano sintetizam, a meu ver, o conteúdo temático e formal da poesia de Tenreiro.É por tal motivo que me permito terminar a referência ao grande da negritude em português com as palavras de Mário Pinto de Andrade: " Quem pela primeira vez exprimiu a <> em língua portuguesa foi sem sombra de dúvida Francisco José Tenreiro no seu livro Ilha de Nome Santo, datado de 1942. Devemos assinalar que ele encontrou por si, individualmente, as formas mais autênticas de expressão subjectiva e objectiva da <>. A Ilha de Nome Santo aparece assim como um feliz encontro dos temas da sua terra de origem ( S. Tomé) e ainda como exaltação do homem negro de todo o mundo".

A obra poética de Tenreiro, particularmente Ilha de Nome Santo, foi desde sempre uma leitura obrigatória de todos quantos participaram dos movimentos sociais, políticos e literários, sobretudo a partir da década de 50. Tais movimentos foram-se a partir de organizações como a Casa dos Estudantes do Império e o Centro de Estudos Africanos, em Lisboa , de que Tenreiro foi um dos fundadores, em 1951. Em tais organizações militou a maioria dos intelectuais cujas obras passaram a integrar o que de mais representativo existe na poesia e na ficção dos países africanos de expressão portuguesa. E é sobretudo a poesia desses autores que absorve, com maior grau de profundidade, a tonalidade de negritude existente na obra de Francisco José Tenreiro. Eu diria que Tenreiro serviu de charneira na moldagem da literatura africana ; literatura esta que não constitui uma ruptura essencial com a cultura dominante de cinco séculos, mas segue, para utilizar a idéia de Frantz Fanon, num movimento dirigido que começa na assimilação e vai até à luta pela libertação.

Pinturas Africanas

A Guerra Acabou


Anunciando o Futuro
Pintura de Rodrigo Pombeiro, nascido em Moçambique

Máscara Africana

Máscara do Século, XVI, Nigéria, Edo,
Corte de Benin, marfim, Metropolitan Museum of Art.

Girafas em Pinturas Africanas

“Batique” ou “Batik” é uma pintura feita à mão sobre algodão nas terras do Leste da África... Muito difundida no Quênia, de onde eu trouxe duas...

Existe uma série de selos postais de Jersey, emitido em 1992 (Scott: 600/603), da qual um dos selos mostra a arte batique ilustrada com um leopardo. NT

Do lado esquerdo da tela, quadro em batique da colecionadora de girafas Paula.

sábado, 4 de abril de 2009

ANÁLISE DE ALGUNS POEMAS DAS LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA

Cela 1
José Craveirinha

Aqui estou neurastênico
Como um cão
Danado a lamber a salgada
Crosta das velhas feridasE em que língua
E com que rosto
Aos meus filhos órfãos de pai
Eu vou dizer que se esqueçam?

A prisão foi um ambiente de enorme sofrimento e luta do povo africano contra o colonialismo português, sendo tema de inspiração constante das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.

No título deste poema de Craveirinha, Cela 1, há o lugar em que o corpo e o tempo são marcados pela tentativa de o autor-sujeito poético exprimir seu manifesto contra ao que lhe foi imposto pelo
colonialismo: a privação da liberdade.

“Como um cão neurastênico” é uma expressão que traduz a agonia, tanto física, como psíquica,
causada em um ser torturado e aprisionado.

O autor moçambicano usa os vocábulos “língua” e “rosto” como questionamento em busca de sua
identidade, como elementos da dúvida da alteridade de que fizemos análise acima.

Há, também, a preocupação em como ensinar aos seus filhos, crianças africanas, o idioma português,
do povo que dominou África (sua pátria) e seus pais.

É um poema que envia ao colonizador uma mensagem contundente, em que o colonizado, prisioneiro, responde à tortura do regime com um discurso de expressões fortes

Análise do Poema

JOANESBURGO
Rui Duarte de Carvalho

Tira o chapéu!
De que distrito vens?
Que é o teu Pai?
Quem é o teu chefe?
Onde pagas imposto?
Em que rio bebes?
Estamos de luto por ti, oh meu país!

A guerra é o tema de reflexão deste poema, e Rui Duarte retrata os questionamentos do pós-guerra,
como quem se perguntasse: “Afinal, o que restou de tanta luta?”. A interrogativa insinua a tentativa
de se reconquistarem os valores e tradições da cultura africana.

“Estamos de luto” denota todo o sofrimento e dor vividos pelo povo em África.
Uma conseqüência amarga, mas que tem acesa a chama da esperança da liberdade.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Cabo Verde

CABO VERDE


Todos sabemos que há um conjunto de factores de ordem geo-política,
econômica e social que levou a que Cabo Verde, desde muito cedo, ficasse
praticamente entregue a si próprio em termos de homogenização racial
e cultural. O impacto do colonialismo não é tão drástico, impulsivo e dramático
como nas outras regiões. Embora reconhecendo o risco de tal afirmação, diria
que Portugal, como potência colonizadora, e com todas as expectativas do
regime, acabou por criar algumas condições necessárias para o aparecimento
da literatura caboverdiana. Desde muito cedo que a terra, bem como os
centros de controle e administração, passam para as mãos de. O grupo uma
burguesia nascida em Cabo Verde, formada maioritariamente por mestiços.

Entre 1920 e 1930 já existe uma elite muito consciente dos problemas que
afectam as ilhas. Esta gente está sobretudo concentrada em S.
Nicolau, S. Antão e S. Vicente, e muitos são comerciantes, professores estudantes e
jornalistas que estão em contacto com as correntes e movimentos literários de
Portugal, como o modernismo e o neorealismo. Mas é sobretudo o modernismo
brasileiro que influencia esta geração que se familiariza com Jorge Amado,
Graciliano Ramos, José Lins do Rego, e poetas como Jorge Lima, Ribeiro Couto ,
Manuel Bandeira, e os sociólogos como Gilberto Freyre. A partir, sobretudo,
dessa altura os escritores de Cabo Verde começam a tomar uma consciência
cada vez mais nítida da realidade das ilhas, a romper com os modelos de tipo
europeu. A atenção é focada cada vez mais na terra, no ambiente sócio-
económico e no povo das ilhas.

O grande passo para a viragem total de temática da literatura produzida em
Cabo Verde é dado , em 1936, por um grupo de intelectuais que lança a revista
Claridade. O grupo, que para a história literária passou a ser conhecido por
claridosos, integra, para além de outros, Baltazar Lopes, Manuel Lopes e Jorge
Barbosa.

As linhas mestras dos movimentos dos claridosos estão praticamente
condensadas na obra daquele que também é o seu maior responsável- Jorge
Barbosa.A preocupação fundamental da sua poesia é revelar as situações com
que diariamente se defronta o cabo-verdiano: a fome, a miséria, a falta de
esperança no dia de amanhã, as secas e os seus efeitos devastadores. Os
grandes tópicos são o lugar, o ambiente sócio-económico e o povo; e todos
em relação constante com o mar.O mar é o elemento provocador do
aparecimento de outras duas realidades soberbamente tratadas na poética
barbosiana : a viagem e o sonho de encontrar uma terra prometida.

A ilha, o mar, a viagem e o sonho são os signos de maior densidade na poesia
de Jorge Barbosa. Toda essa temática se distribui pelas suas três obras:
Arquipélago (1935), Ambiente (1941) e Caderno de um Ilhéu (1956).Mas,
quanto a mim, é em Ambiente que Jorge Barbosa se define como poeta
inovador, que dá à sua poesia uma tonalidade dramática nova, trazida "pela
intimidade, a denúncia, a epopéia do homem isleno vivendo no drama de <>"6.
Não resisto à tentação de citar aqui um poema que, quanto a mim, é revelador
da dualidade em que Jorge Barbosa coloca os referentes de quase todos os
seus poemas. Há sempre um "eu" em constante tensão com um ambiente
exterior. Repare-se no poema Prisão

Pobre do que ficou na cadeiade
olhar resignado,
a ver das grades quem passa na rua!
pobre de mim que fiquei detido também
na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...
...as grades também da minha prisão!7

Este poema é paradigmático quando se procura organizar uma amostragem
comparativa da poesia de Cabo Verde.É que toda poesia dos claridosos, se por
um lado rompeu com os diques das normas temáticas do colonialismo, não se
terá libertado completamente de um certo miserabilismo herdado do neo-
realismo português. Esta poesia é toda ela virada para o homem caboverdiano
e o mundo que o rodeia; no entanto não aponta grandes soluções. É pois, uma
poesia de descrição, profundamente lírica, intimista , mais ainda falha de
coragem para apontar outra solução ao homem caboverdiano que não seja a
evasão do mundo que lhe pertence. É por isso que os calaridosos, e Jorge
Barbosa, evidentemente, são freqüentemente criticados pelo carácter
"evasionista" e "escapista da sua poesia.

A geração da Claridade lançou os alicerces da nova poesia que depois é
continuada pelos escritores pelos escritores que colaboram em outras duas
publicações, a Certeza (1944) e o Suplemento Cultural (1958). Nas duas
revistas colaboraram poetas como António Nunes, Aguinaldo Fonseca , Gabriel
Mariano, Onésimo Silveira (um dos primeiros a utilizar o crioulo de parceria com
o português, no seu livro Hora Grande, 1962) e Ovídio Martins, que combate
abertamente o evasionismo dos claridosos. Apesar de tudo a geração da
Claridade influenciou, e continua a influenciar, grande parte da produção
poética e ficcionista de Cabo Verde.

O salto qualitativo e a ruptura com a influência dos claridosos devem-se a dois
escritores que chegaram a participar na revista Claridade. Estou a referir-me a
João Varela (aliás João Vário, aliás Timótio Tio Tiofe) que publicou em 1975, O
primeiro livro de Notcha, e Corsino Fortes, autor de dois importantes trabalhos
poéticos, Pão & Fonema (1975) e Árvore & Tambor (1985). É sobretudo
Corsino Fortes que provoca o maior desvio de conteúdo temático e formal. O
livro Pão & Fonema deixa perceber a intenção do autor em reescrever a
história do povo em termos de epopéia. O livro abre com uma Proposição que
constitui, por si só, uma demarcação da poesia de tipo estático dos claridosos.
Repare-se na primeira estrofe:

Ano a ano
_____ crânio a crânio
Rostos contornam
_____ o olho da ilha
com poços de pedra
_____ abertos
_____ no olho da cabra 8

Esta cadência ritmada do esforço humano marca o compasso da epopéia que
se pretende escrever, intenção que o autor condensa na epígrafe da autoria
de Pablo Neruda:Aqui nadie se queda inmóvel./Mi pueblo es movimiento ./mi
pátria es um camino9. O poema desenrola-se depois em dois cantos que
justificam o título.

Este livro de Corsino Fortes é, quanto a mim, o desenvolvimento e expansão de
uma metáfora que se inicia com o título. O povo tomou conta da sua terra (o
Pão) e do seu destino (a fala que dá nome às coisas, que indica posse). A
utilização do crioulo em muitos poemas é intencional, uma vez que fala,
anterior à escrita,é o grande sinal da liberdade que se tornou patrimônio, tal
como a terra. Daqui o subtítulo do canto primeiro- Tchon de Pove Tchon de
Pedra; Daqui também os subtítulos de outros dois cantos- Mar & Matrimónio e
Pão & Matrimónio.

É evidente que toda problemática de raiz caboverdiana está presente na obra
de Corsino Fortes. Ao contrário dos claridosos, a nova poesia é uma expressão
artística cuja formulação sugere, reflecte e intervém na dinâmica do real. A
grande diferença no entanto, reside no facto de que este autor, para além de
criar uma nova dinâmica de ralações entre o sujeito e o objecto poético,
colocar toda a problemática caboverdiana num contexto muito mais vasto que
é o da África. Cabo Verde, com sua especificidade, que é o isolamento de
arquipélago, participa na viagem de construção da África de rosto e corpo
renovado:

Dos seios da ilha ao corpo da África
O mar é ventre E umbigo maduro
E o arquipélago cresce 10

José Craveirinha

Fábula

"Menino gordo comprou um balão
e assoprou
assoprou com força o balão amarelo.

Menino gordo assoprou
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!

Meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos."

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Agostinho Neto


Noite


Agostinho Neto


Eu vivo

nos bairros escuros do mundo

sem luz nem vida.


Vou pelas ruas

às apalpadelas

encostado aos meus informes sonhos

tropeçando na escravidão

ao meu desejo de ser.


São bairros de escravos

mundos de miséria

bairros escuros.


Onde as vontades se diluíram

e os homens se confundiram

com as coisas.


Ando aos trambolhões

pelas ruas sem luz

desconhecidas

pejadas de mística e terror

de braço dado com fantasmas.


Também a noite é escura.

Literatura Africana em Língua Portuguesa

Literatura Africana em Língua Portuguesa

Não se pode falar da literatura africana sem se falar da "Negritude"; aliás, esta última constitui o tema fundamental da literatura africana.

A literatura africana de expressão portuguesa nasce de uma situação histórica originada no século XV, época em que os portugueses (cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagens, homens de ciências e das grandes literaturas europeias) iniciaram a rota de África, continuando depois pela Ásia, Oceânia e América.

Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo de Couto, Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira são alguns nomes cujo discurso é alimentado do "saber de experiência feito" alcançado a partir do século XV, em declínio já no século XVII) esgotado no século XVIII. A obra de Gil Vicente (século XVI) ou, embora escassamente, a de poetas do cancioneiros (séculos XIV e XV) ao lado das "coisas de folgar", foram marcadas pela expansão ao longo dos «bárbaros reinos». É uma literatura feita pelos portugueses, fruto da aventura no além-mar, no período renascentista, a que se denominou de literatura dos descobrimentos.

Esta literatura, nascida de uma experiência planetária, nada tem a ver com a literatura africana de língua portuguesa. Este registo serve apenas para contextualizar no passado factos relacionados com o quadro cultural, político que século depois havia de surgir.

Com efeito, a partir do século XV, inicia-se o processo de colonização em África, o que condiciona, séculos mais tarde, o aparecimento de nova literatura, a literatura colonial (1900-1939).

Em que difere a literatura colonial da literatura dos descobrimentos?

Enquanto a literatura dos descobrimentos se baseava no relato de viagens feito por navegadores, escritores, comerciantes, etc.., e narrava factos ocorridos ao longo dessas viagens, a literatura colonial retrata a vivência dos portugueses no além-mar. Nesta literatura, o centro do universo narrativo e poético é o homem europeu e não o homem africano. Era uma literatura profundamente racista, onde predominavam as ideias de inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, como Gobineau, haviam derramado, e para as quais teria contribuído o filósofo Lévy Bruhl com a sua tese de mentalidade pré-lógica. Importa dizer ainda que, nesta literatura, a África era vista apenas como uma linda paisagem, ou um paraíso, e o protagonista dessa paisagem era o homem europeu. Trata-se, pois, de uma literatura caracterizada fundamentalmente pela exploração do homem pelo homem.

É preciso dizer que estes discursos racistas eram fruto da mentalidade da época, no ponto de vista político-social. Todavia, houve alguns escritores como João de Lemos (Almas Negras) e José Osório de Oliveira (“Roteiro de África”) que tentaram entender a mentalidade do homem negro, pois há nas suas obras uma intenção humanística.

São precisamente as duras e condenáveis características da literatura colonial, e os outros factores como a criação e desenvolvimento do ensino oficial e o alargamento do ensino particular, a liberdade de expressão, a instalação da imprensa (a partir da década de 40 do século XIX) que vão propulsionar o aparecimento de uma nova literatura a que se convencionou chamar de literatura africana de expressão portuguesa.

Com efeito, alguns anos mais tarde, após a instalação da imprensa em Angola, ocorre a publicação do livro “Espontaneidade da minha alma” (1949) do angolano mestiço José da Silva Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona, mas não a mais antiga obra do autor africano. Anterior a esta, há conhecimento do poemeto da cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusish, "Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844”, publicado em Lisboa no mesmo ano.

A literatura africana, como um conjunto de obras literárias que traduzem uma certa africanidade, toma esta designação porque a África é o motivo da sua mensagem ao mundo, porque os processos técnicos da sua escrita se erguem contra o modismo europeu e europeizante. John chamou-a de literatura Neo-africana por ser escrita em línguas europeias e para diferenciá-la da literatura oral produzida em língua africana. Nesta literatura, o centro do universo deixa de ser o homem europeu e passa a ser o homem africano.

É necessário frisar que este tipo de literatura, chamada literatura africana de expressão portuguesa, ganha uma nova especialização, tomando a designação de literatura de raiz africana. Esta literatura teve a sua origem através do confronto, da rebelião literária, linguística e ideológica, da tomada de consciência revolucionária a partir da década de 40 (século XIX).
Importa referir que era uma literatura dirigida particularmente aos africanos e escrita em línguas locais em mistura com o "português", pois o propósito era tornar a escrita inacessível aos europeus, isto é, não permitir ao homem branco descodificar as suas mensagens. Daí a introdução nas obras de poetas angolanos (Agostinho Neto, António Jacinto, Pinto de Andrade, Luandino Vieira, etc.) de palavras e frase idiomáticas em quimbundo e umbundo, e em muitos outros autores africanos como Mutimati Bernabé João (Moçambicano).

Esta fase vai de meados da década de 40 até às independências (meados da década de 70). “A vida verdadeira de Domingo Chavier” de Luandino Vieira e “Sagrada esperança” de Agostinho Neto são textos impregnados de marcas visíveis da revolta política que mais se traduzem nos quatros cantos do mundo.

A literatura africana combate o exotismo sob todas as formas, quer se apresente recuperando narrativas tradicionais, quer utilize ritmos significantes emprestados das culturas populares.

Nilton Garrido - SEUC Sec - Turma SA